A telemedicina é assunto amplo e ao mesmo tempo polêmico. Neste texto iremos abordar o campo da medicina ocupacional. Trata-se de um assunto que ganhou muita visibilidade devido a pandemia do coronavírus e depois da publicação da Medida Provisória n. 927 de 2020, que em seu Art 15. suspendeu a obrigatoriedade de realização de exames clínicos e complementares, exceto os demissionais, enquanto durar o estado de calamidade. Essa mesma MP 927, suspendeu também temporariamente a obrigatoriedade da realização de treinamentos previstos nas NRs, porém traz a possibilidade de se fazer na modalidade EAD (Ensino a Distância). Diante dessa situação caótica e com uma demanda de exames reprimida, alguns profissionais e clínicas de medicina ocupacional começaram a criar “soluções” para viabilizar esses atendimentos de maneira remota.
Entretanto, diante da urgência em se ter uma “solução” imediata, alguns não pensaram se isso seria viável ou até mesmo aceito legalmente. Na MP 927/2020 se fala sobre a não obrigatoriedade de executar determinados exames ocupacionais, mas não impede quem deseja realizar. Essa mesma MP 927 também não detalha ou menciona a possibilidade de se realizar esses exames por meio da telemedicina. Para que se possa encontrar respostas às perguntas anteriores, é preciso entender um pouco dos conceitos de telemedicina.
Primeiramente, não é objetivo explorar a fundo os conceitos e ramificações da telemedicina, o que por si só daria um extenso material. O objetivo é traduzir ao leitor que desconhece o tema de forma rápida e direta os seus conceitos básicos, para que seja possível compreender o restante do texto.
Entende-se por telemedicina o exercício da medicina mediado por tecnologias, com finalidade de assistência, pesquisa, prevenção de doenças e lesões e promoção de saúde. A telemedicina está em vigor desde 2002, com os limites impostos pela resolução do Conselho Federal de Medicina – CFM nº 1.643.
A Telemedicina pertence a um contexto geral, podendo ser subdividida em modalidades de atendimento médico, tais como:
Existem ainda muitas outras modalidades de atendimento por Telemedicina, que podem ser consultadas na já revogada Resolução CFM nº 2227/2018. Importante notar inclusive, que alguns tipos de atendimento, como a teleconsulta, subentende como premissa obrigatória o prévio estabelecimento de uma relação presencial entre médico e paciente (art 4º).
Como visto, a telemedicina, em especial da teleconsulta, nada mais é que uma consulta médica remota, mediada por tecnologias, entre médico e paciente localizados em diferentes locais geográficos.
Dessa forma, a avaliação clínica que o médico faz no trabalhador, abrangendo anamnese ocupacional, o exame físico e mental, além dos exames complementares teria de ser realizado de forma remota/virtual.
Nesse ponto, o primeiro desafio é com relação aos exames complementares, onde inevitavelmente o trabalhador teria de se deslocar e realizar presencialmente, seja no laboratório ou na clínica.
O segundo desafio seria em como realizar um exame físico de forma adequada sem o contato do médico com o funcionário. Pois esses dois estariam usando alguma tecnologia de vídeo chamada como skype, zoom, whatsapp, etc. Esse atendimento seria registrado em um prontuário eletrônico com todos os dados normalmente registrados, além do médico assinar digitalmente o ASO (Atestado de Saúde Ocupacional).
Outro desafio que é ainda mais difícil de sobrepor: o trabalhador terá condições de suprir os requisitos mínimos para uma teleconsulta razoável? Será que ele terá um celular ou computador compatíveis? Sua conexão com a internet irá suportar? E no caso de instabilidades? São muitas dúvidas.
Em suma, seria possível transportar todo atendimento que a clínica está acostumada a realizar no dia-dia para a telemedicina? E mais, isso teria validade legal?
Talvez o motivo para que muitas clínicas e profissionais que estão executando a teleconsulta nos seus atendimentos ocupacionais, seja a publicação da Lei nº 13.989 de 15 de abril de 2020. Essa lei dispõe sobre o uso da telemedicina durante a crise causada pelo coronavírus (SARS-CoV-2). Essa lei foi aprovada às pressas devido a situação de calamidade pública e por ser muito simplista e generalista tem gerado muitas dúvidas e insegurança jurídica.
A ANAMT (Associação Nacional de Medicina do Trabalho) publicou em 24 de março de 2020 o informativo jurídico n. 02/2020, informando sobre o uso da telemedicina em caráter excepcional e temporário, ou seja, somente durante o enfrentamento da emergência da saúde pública. O informativo cita também a portaria n. 467 de 20 de março de 2020 que dispõem sobre as ações de telemedicina.
A lei federal 3.268/57 define que o CFM (Conselho Federal de Medicina) é o órgão competente para disciplinar a profissão. Em se tratando de medicina ocupacional e o uso da telemedicina talvez necessitemos de uma resolução para deixar tudo isso mais claro. Nesse sentido e na contramão do que já foi apresentado, tem-se um recente parecer n. 8/2020 do processo consulta n. 12/2020 de 21 de maio de 2020, onde o CFM ecoa:
Em seu parecer, a relatora Rosylane Nascimento das Mercês Rocha, evidencia a impossibilidade de realizar o exame ocupacional do trabalhador e concluir sobre aptidão laboral por telemedicina sem realizar avaliação clínica. Ela também ressalta que tais exames ocupacionais não se tratam de consulta clínica de assistência à saúde, pesquisa, ensino ou de prevenção e promoção à saúde, consoante o art. 3º da Lei no13.989/2020 que dispôs sobre o uso da telemedicina durante a crise causada pelo coronavírus (SARS-CoV-2).
Como visto, a telemedicina é um recurso utilizado a bastante tempo e foi aprovado pelo CFM desde 2002. Sem dúvidas seu uso tem revolucionado a medicina e permitiu muitos progressos. Porém, o exercício da medicina é variado e possuem particularidades, razão pela qual temos tantas modalidades de atendimento dentro da telemedicina. No campo da medicina do trabalho, é preciso evidenciar as dificuldades de se realizar um exame físico em um trabalhador, para que o médico ateste sua aptidão ao trabalho de forma remota.
Por tudo isso e pelo parecer recente do CFM vedando expressamente a realização de exames médicos ocupacionais com uso da telemedicina, sem proceder com o exame clínico direto no trabalhador, resta concluído e respondida a pergunta inicial deste texto.
Esperamos que tenha gostado das informações e deixe seus comentários ou dúvidas!
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Texto esclarecedor. Deixa clara a limitação do debate tendo em vista a complexidade e amplitude. Cita o PARECER CFM nº 8/2020. Este em sua conclusão define: “Ao médico que atende o trabalhador é vedado realizar exames médicos ocupacionais com recursos de telemedicina sem proceder o exame clínico direto no trabalhador” (grifo nosso). Daí, minha curiosidade aguçada me fez refletir com base nas lembranças dos exames aos quais fui submetido (não vou citar dezenas de outros cases para evitar ter que envolver terceiros num eventual questionamento e necessidade de provas) durante minha vida laboral como empregado, com base na observação prática da “medicina do trabalho”, nos procedimentos de exames médicos (Admissional, periódico, mudança de função (raríssimo), retorno ao trabalho e demissional) de duração média de 1 a 3 minutos (essa média de 3 minutos citada aqui, pode até ser questionada por que normalmente dura no máximo 2 minutos), onde a “clinica” limitava-se à 3 ou 4 perguntas, ausculta pulmonar e cardíaca, sem anamnese (esta era feita pela “recepcionista” que com antecedência deixava um “questionário” a ser preenchido, sendo a que a mesma é que orientava e “respondia” às dúvidas eventuais sobre o questionário de ‘medicina”, deixando apenas a parte final (de 1 a 3 minutos) para o “medico “examinador”. Aqui um paradoxo, porque de examinador nada tinha… Enfim, voltando ao raciocínio inicial, vamos às perguntas: telemedicina não pode? E a “enganomedicina”, um termo aqui criado para fazer referência à prática comum, pode? Com base na regulação do CFM, a definição de exame clínico existe para o “varejo” e para o “atacado”?
Marcos André,
comentário muito bom e faz alusão a uma prática comum em muitas clínicas de medicina ocupacional.
Olhando sob esse aspecto, de certa forma poderia se pensar em telemedicina no âmbito ocupacional sem problemas, afinal o exame físico inexiste. Entretanto, sabemos que isso está errado e não atende ao que determina as normas. Existem muitas clínicas sérias que seguem rigidamente os ritos de um atendimento clínico “de verdade”.
Muito obrigado pelo seu comentário!
Poderia ser possível a seguinte forma ?: O Enfermeiro (ou Enfermeiro do Trabalho) poderia realizar a anamnese presencial com o empregado, e o médico estar ao vivo (de forma remota) verificando o que estar acontecendo, e posteriormente assinar o ASO ?
Oi Márcio, conforme o post o próprio CFM já se posicionou de forma contrária ao atendimento ocupacional de forma virtual.
Excelente abordagem Marcos André! Acabei tendo que recuar de um projeto de atendimento que elaborei para facilitar nessa pandemia, e contribuir com os clientes obviamente, justamente por causa desse parecer da CFM, e olha que eu tinha identificados médicos que já estavam de acordo em fazer os atendimentos virtuais, caso eu conseguisse lhe apresentar os dados de exames clínicos para que eles tivessem a possibilidade de emitir o ASO de forma segura. Acho um grande atraso o que esse parecer gera, uma vez que são respeitados todos os critérios para promover uma decisão embasada em dados e fatos. Isso sem contar o que você tão bem mencionou sobre as práticas que comumente se observa nesses atendimentos, pelo menos foi também o que constatei em todos que eu fiz enquanto CLT, e não foram para empresas pequenas não, mas infelizmente, mais uma das pérolas que só adornam onde deveriam agregar.
Creio que a telemedicina para os casos de ASO poderá ser mais eficiente na prática do que o exame presencial, haja vista, a realidade comentada acima, visto que de forma virtual, o médico se atentará com maior atenção devido ao própria situação em si que demanda uma atenção maior, portanto, torna-se mais eficaz do que o exame presencial.
Luiz,
pelo que conversei até agora com médicos do trabalho, a grande maioria acha justamente o contrário. Inclusive dizem ser impossível em algumas situações atender de forma remota, sem contato com o paciente. O próprio CFM já se posicionou de forma contrária ao atendimento ocupacional de forma virtual.
è inviável, a audiometria por exemplo, como fazer?
A espirometria, especialmente pra quem trabalha na construção civil e na indústria…
Olá, sim, exames complementares se faz necessária presença física do trabalhador…a questão do post é sobre o exame clínico…
Poderia ser possível a seguinte forma ?: O Enfermeiro (ou Enfermeiro do Trabalho) poderia realizar a anamnese presencial com o empregado, e o médico estar ao vivo (de forma remota) verificando o que estar acontecendo, e posteriormente assinar o ASO ?
Caro, um funcionário deficiente físico que trabalha remoto, que já teve a liberação na perícia do INSS (INSS veio fazer a perícia em casa pois foi apresentado atestado de incapacidade de locomoçao) é obrigado a fazer o exame de retorno ao trabalho presencial?? Tem alguma lei que ampare? se até o INSS pode ir na casa do paciente a empresa não tem a obrigaçao de dispor de uma teleconsulta ou uma consulta domiciliar pra esse funcionário? A empresa quer obrigar meu irmão cadeirante e que faz uso de oxigênio a ir presencialmente em uma clínica fazer o exame de retorno.
Situação complicada. Sugiro consultar um advogado para lhe aconselhar melhor.